terça-feira, 22 de julho de 2014

Cadeirantes de Teresópolis, Petrópolis e Friburgo mostram que o espaço comum a todos os exclui

REGIÃO SERRANA — Uma simples ida ao mercado ou mesmo um passeio pelas ruas de Nova Friburgo, Teresópolis e Petrópolis torna-se tarefa hercúlea para quem é obrigado a levar a vida sobre duas rodas. Cadeirantes das três cidades reclamam ter de reivindicar o direito de ir e vir. Uma constatação de que o planejamento dos municípios no que diz respeito à inclusão dos deficientes físicos vai mal das pernas.
Rogério Moreira Brasil tem 44 anos e há dois tem de contar com a disponibilidade da mulher para sair de casa. Caso o contrário, seria impossível dar continuidade ao tratamento pelo qual é submetido desde que sofreu o acidente que lhe amputou a perna esquerda e levou à instalação de apetrecho ortopédico na direita — o qual tem de ter os parafusos periodicamente apertados para a restauração óssea do membro.
— As dificuldades já começam quando eu saio de casa. Moro numa ladeira de paralelepípedos. É impossível transitar ali — conta ele, que só sai de casa se for de carro.
A pedido do GLOBO-Serra, ele viveu a experiência de ir até o Centro de Teresópolis em transporte público e fez um “teste de qualidade" das calçadas do bairro, onde se concentram o comércio e prédios da administração pública.
— O ônibus parou e fui bem atendido pelo motorista, apesar de ver uma certa dificuldade dele em manusear o controle do elevador do veículo — constata o ex-segurança.

Ao tentar ativar o sinal sonoro, verificou-se que o botão instalado para cadeirantes apresentava problema. Porém, a maior prova de desrespeito e descaso do poder público, segundo Brasil, ocorreu pela falta do uso adequado do maquinário que faz dobradinha em foto com candidatos em época eleitoral: as pavimentadoras.
— Não consigo entender a dificuldade de se fazer rampas nas calçadas. Algumas são tão altas que nem com ajuda dá para subir — lamenta ele.
Marlon, de 10 anos, tem paralisia cerebral. A mãe, a costureira Joseane Moura dos Santos, vê no próprio quarteirão da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE) de Nova Friburgo a falta de preparo e planejamento para fornecer condições mínimas de mobilidade a pessoas como o seu filho.
— Se no entorno de um lugar voltado para pessoas que necessitam do uso de cadeira de rodas é assim, nem há o que dizer sobre o resto da cidade. Calçadas só com o meio-fio, e alto. Chega-se ao absurdo de fazer degraus para subir nele. Rampas são raras — queixa-se.
O transporte público também está bem longe de fornecer o tratamento que Joseane considera o ideal.
— A frota em boa parte é adaptada, mas não há treinamento adequado dos motoristas — conclui.
ELES SÃO BARRADOS NO CARTÓRIO, NA SECRETARIA DA FAZENDA, NO TEATRO...
Depois que Jorge Henrique Santos, hoje com 45 anos, teve as pernas amputadas, ele ficou recluso em casa por três anos. Com a ajuda da mulher, recuperou o ânimo e resolveu sair para trabalhar, em busca de alguma fonte de lazer. Só não esperava que, para fazer essas duas atividades básicas, fosse necessário um esforço diário que a maioria dos cadeirantes não consegue suportar sozinha.
— Em Petrópolis, várias faixas de pedestre não têm rampa que ligue a calçada à via. Já tive que me sentar no chão para subir sozinho e, depois, puxar a cadeira — diz Santos.
Esse desafio ocupa 50 horas semanais da vida dele. Morador do bairro do Quitandinha e cadeirante há 14 anos, ele trabalha circulando pelas ruas do Centro de segunda a sábado, das 9h às 19h. O ofício consiste em vender bilhetes de loteria e entregar panfletos de lojas.
Ele comemora o fato de muitos pontos turísticos terem melhorado a acessibilidade. O Palácio Amarelo, a Catedral de São Pedro de Alcântara e o Museu Imperial, por exemplo, são adaptados. No entanto, muitos postos de saúde, o cartório do Centro, o Theatro Dom Pedro, a sede da Secretaria de Fazenda e a maioria das lojas da região excluem a entrada de cadeirantes.
— Quando eu fui registrar meus filhos no cartório, tive que ser atendido na rua, porque lá não tem rampa, nem elevador. Agora, quero me casar, mas não sei como fazer. Casar no meio da rua é que não dá! — reclama.
Segundo o presidente da Associação Pró-Deficiente de Petrópolis, Marcelo da Silveira, 62 mil pessoas com algum tipo de deficiência moram na cidade. Cerca de 30% delas são cadeirantes.
— Como a cidade é histórica, é difícil mexer nas ruas, nos prédios. Mas é preciso entender que respeitar o passado não significa deixar tudo intocável. É preciso nos adequarmos à realidade.
Ele, que também é cadeirante, conta que, embora alguns pontos históricos já tenham se adaptado, problemas técnicos ou de falta de instrução de quem manuseia os aparelhos são frequentes.
— Da última vez que eu tentei ir à Casa de Santos Dumont, o elevador não funcionava. Então, desceram com uma maquete da casa para eu ver. Se é para isso, eu nem saio de casa! — lamenta ele, que já perdeu a conta de quantos casos parecidos enfrenta. — No Centro de Cultura Raul Leoni, o elevador para deficientes fica no segundo andar. Temos que subir 50 degraus para chegar lá. Vê se tem sentido?
De acordo com a prefeitura de Petrópolis, nos últimos três meses, 30 pontos do Centro Histórico e arredores tiveram melhorias. O município está agora estendendo esses projetos às estruturas dos prédios públicos que ainda não dão acessibilidade. Sobre o Theatro Dom Pedro, a Prefeitura garante que o acesso a cadeirantes pode ser feito por uma porta lateral, na Rua Nilo Peçanha.
Já a prefeitura de Teresópolis afirma que investe em acessibilidade em suas novas construções, como o prédio da Escola Municipal Francisco Maria Dállia, aberto no ano passado. Em relação às calçadas, informa apenas que fiscaliza carros estacionados irregularmente próximos às rampas.
Quanto a Nova Friburgo, a prefeitura diz que o Escritório de Gerenciamento de Projetos executa todas as obras de acessibilidade do município, mas não informa que obras são essas.

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